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Do Doce ao Salgado

Vale-tudo-ambiental

Foram necessários 7 dias, uma semana inteirinha, para que a presidente do Brasil resolvesse dar uma olhadinha na maior tragédia ambiental que nunca-antes-na-história o país vivenciou. Uma atenção distanciada no espaço-tempo (para não dizer descaso, omissão…); uma semana depois e milhares de metros acima, lá do alto do helicóptero oficial, como se a altura e o delay a protegessem do mar de lama.

Diante de tamanha inércia, não surpreende que o oportunismo promova seus heróis.

No momento em que as manchetes anunciavam a morte do Rio Doce, eis que surge o paladino do meio ambiente com uma milagrosa fórmula de recuperação do rio morto. Da lama podre que encobriu suas terras, Sebastião Salgado brota como porta-voz de sua patrocinadora VALE. E a mídia se regozija. A retórica (sempre) oportunista do “maior “fotógrafo brasileiro é um prato cheio para que se possa, mais uma vez, blindar a negligência das empresas responsáveis e a vista grossa das autoridades.

Frente a um crime ambiental sem culpados e à apatia política, Salgado desengaveta um projeto insosso aprovado pelo BNDES, mas parado, segundo ele, por restrição orçamentária. Vamos do Doce ao Salgado e temos, então, a única medida apresentada para o mar de lama. Única e, não por isso, extremamente conveniente para todos os envolvidos nesse conluio do finado rio; que, apesar de morto, segue seu curso, amplificando os impactos do capital sobre o meio ambiente. E a população atingida também segue, no curso do rio, sua peleja; sem água, sem perspectivas, sem futuro. Com Vale, mas sem Rio.

Enquanto revirava meus arquivos, encontrei um texto que escrevi como exercício para curso do maravilhoso F/508., realizado no ano passado.

Depois de longa hibernação, resolvi atualizar o blog com ele.

O original você encontra aqui.

 

No subterrâneo

Pés descalços na areia.
O mar gingando por efeito da brisa. E a maresia como doce preguento impregnando a pele.
Solidão. Completude. Calmaria.
Amplidão.
Respirar é fácil.
Lento.
Profundo.

Mergulho no sonho enquanto o corpo, levado pelas escadas, rolante, mergulha nas profundezas da terra cavada, em camadas.
Ar rarefeito. Apressado. Automatizado. Suspiro superficial. Artificial. Como a luz que ilumina. Mais intensa e irreal à medida que as escadas avançam para o interior. E as paredes se comprimem, oprimem, afunilam. Os corpos se amontoam contrariados. Contato compulsório.
O ar quente das respirações foge da rajada de vento vinda do fim do túnel. É o trem que vem. E vai pelo mesmo caminho. Para o mesmo destino.
Quisera sair dos trilhos, dos túneis. E ver a luz do dia. Sentir a brisa fresca da beira do mar.
Já é outro dia. Como ontem. Rotina. O corredor que guia para o mesmo lugar. E para onde, por onde, sempre volto.

Me desvencilho da massa de corpos que seguem descompassados na mesma direção. Corro para fora. Para cima. Desconheço a saída. Mas me alimento da esperança de que alguma daquelas portas seja passagem para longe. Bem longe. Onde meus pés encontrem areia e meu rosto encontre o frescor do oceano. Que meu corpo encontre a paz que eu encontrei em pensamentos.
No subterrâneo.

 

tarou

 

Ir às ruas por ir às ruas não é acordar. Independente do número de pessoas. É preciso ocuparmos estes espaços, reagirmos dentro deles, levarmos discussões pontuais — como era a proposta do MPL — e resistir aos desvios que acontecem porque o Estabelecimento prioriza quem não precisa daquelas demandas. Há de se discernir pessoas aliadas de pessoas que não se importam. Marchar pode ser romântico, mas não é radical. Um milhão de pessoas sem nada a dizer, sem privilégios a questionar, sem questionamentos a fazer, sem patrimônios a quebrar, sem tópicos a discutir, não é uma multidão acordada. É, no máximo, um gigantesco episódio de sonambulismo político.

Incandescência

Não gosto de ordem, seja ela emanada das palavras ou de um conceito. A “ordem” dos protestos deste 17 de junho – tão elogiada pela presidenta Dilma e pelos setores conservadores da sociedade, especialmente pela mídia- só faz desqualificar a indignação social e a importância do movimento.

Uma coisa que tem me preocupado muito nestes atos (pelo menos aqui em Brasília) é o ufanismo, o nacionalismo expressado pela juventude que tem demonstrado rebeldia, pouca crítica ou noção política de internacionalismo ou solidariedade de classe ou global. A cada 5 palavras de ordem se canta entusiasticamente o hino nacional, o que me parece demonstração de um vácuo de formação política. Diego Mendonça

Também me incomodou profundamente o grito de ordem “Acorda Brasil”, bastante difundido nas redes sociais; dando a ideia de que “o gigante desperta” somente hoje, agora… minimizando toda uma trajetória de lutas bravamente encampadas por diversos movimentos, partidos políticos e setores da sociedade desde que o Brasil é Brasil.

Não! Não sou contra manifestações. Pelo contrário! E, não! Não falo de São Paulo. Caso contrário, a essa hora, não estaria em casa escrevendo este texto, mas nas ruas.

Falo de Brasília e da azedinha Marcha do Vinagre.

Que fique claro! Defendo a legitimidade de manifestações. Adoro fazer parte delas. O que houve em Brasília nessa segunda-feira foi válido. Porém, crítica construtiva não faz mal a ninguém.

Pelo que marcham?

 http://cafecomnata.files.wordpress.com/2013/06/slavoj.jpg

Quando finalmente soube da Marcha do Vinagre, confesso que fiquei aliviada ao perceber que havia recebido “convite” somente para as manifestações em Sampa, mas não para esta de Brasóila. E confesso que fiquei encafifada com a descrição do movimento e com o leque (disperso) de reivindicações.

– INVESTIMENTO NO TRANSPORTE PUBLICO – Manutenção das tarifas de ônibus em SP e no DF – OBRA DO VLT, METRÔ INCOMPLETO –COM TRANSPARÊNCIA;
– APOIO À MARCHA DA CORRUPÇÃO;
– Não aprovação da PEC/37;
– Não aprovação do PL 728/2011 que define terrorismo;
– CONTRA VIOLÊNCIA GRATUITA – de policiais, manifestantes, não à violência verbal também;
– Investigação do TCDF e do MP e responsabilização pelas obras do Estádio bilionário;
– Contrapartida de investimento da infraestrutura da COPA – Contra a maquiagem da Copa a favor do legado;
– Luta contra a remoção das famílias das áreas de interesse econômico em nome da Copa
– Saúde E educação de qualidade – problemas crônicos;”

As pautas do movimento extraídas do “evento do Feicibruiki”. Grifos originais).

Procurei e não encontrei uma adesão prévia (ao menos, não publicizada) ao ato por parte de colegas atuantes e figurinhas da militância local. O que me chamou a atenção. A Marcha do Vinagre, aparentemente, seria composta por um grupo heterogêneo e, desconfiava, debutante em matéria de protestos.

Oba! O Gigante despertou!

Era engraçado ver pessoas que nunca imaginei em protestos carimbar suas redes sociais com aquele “EU FUI” típico de grandes shows, bradar que saíssem do torpor (Acorda, Brasil!) e ganhassem as ruas.

A gente se acostuma, mas não devia”. E que coisa mais linda ver milhares saindo dessa inércia e ganhar as ruas, o Congresso! Afinal, temos tantos problemas e tantas questões que precisam ser vistas e revistas, especialmente neste momento em que os olhos do mundo se voltam para nosso país.

“Mas não sei se é uma boa estratégia essa de sair esbravejando com objetivos tão genéricos e dispersos. Claro que tudo está relacionado, mas precisamos começar por algum lugar” (replicando o Leo Germani).

Da mesma forma que precisamos de um Norte para nos localizar, precisamos de foco para lutar. A generalização de pautas só tende a manter marginalizado o que sempre ficou à margem. A indefinição gera vulnerabilidades e incertezas.

A presença de reacionários em manifestações me faz arrepiar. Mas, é aquilo, né?!… Todos têm o direito de se manifestar e mostrar indignação. O problema é quando o vinagre é promovido à vinagrete e a mistureba maquia a identificação de todos os ingredientes.

Ei, reaça! Vaza dessa Marcha!

Quando existe aderência massificada da população, e esta população não se politizou ainda, ela infla o protesto com discursos ideológicos. Ela enche o protesto de muito pacifismo, muitas reivindicações vazias (contra a corrupção! pela educação!), de bandeiras de Brasil beirando o nacionalismo de cantarmos o hino nacional, e, principalmente, de discursos opressivos, que se já entre as pessoas “politizadas” são sempre prevalentes, entre pessoas que não se politizaram são ainda mais. O machismo, o racismo, o heterossexismo e o discurso higienista burguês são alguns problemas que cada vez mais aparecem relatos de estarem surgindo nestas manifestações recentes, inclusive nos cartazes que estamos segurando e nos gritos que estamos bradando.

Mais da Incandescência

Esse sentimento dicotômico em relação à passeada foi brilhantemente expresso no depoimento do Marcelo Caetano, militante feminista que admiro bastante.

como boa parte dos amigos, ainda não sei bem o que sentir. tem um monte de coisa misturada.
a sensação de ser parte de algo que não se repetirá; a alegria besta de dar uma cambalhota no teto do congresso (!!!); o arrepio de ver uma multidão clamando por um poder popular.
ao mesmo tempo, vi ao meu lado pessoas com quem não compartilho um projeto de sociedade; pessoas machistas, homofóbicas; pessoas que não sonham com o mesmo mundo que eu.
mas foi incrível, incrível. aquela gente, aquela multidão. foi incrível. e foi lindo!
mas não sei…como o amor, a revolução também começa sem que saibamos como acabará.

(Retirado no perfil pessoal do Facebook)

Marcelo disse tudo!

Aonde vamos/queremos chegar?

O mais interessante dessa onda de protesto é que o levante é indecifrável para a política tradicional, para a maior parte da imprensa idem. (…) O caroneiro mal sabe aonde pode ir o bonde da história quando se solta nas ruas uma legião de ânimos e sambas exaltações às mudanças –mesmo que não se saiba quais mudanças agora, pouco importa, que se mude o estadão das coisas, como diria Wim Wenders. Xico Sá

É inquestionável o impacto e a importância de todas as manifestações que ocorreram Brasil à fora no início dessa semana. Questionável (e repreensível) é todo o contexto gerador dessa insatisfação generalizada, é a truculência das ações por parte das autoridades e a expulsão de manifestantes filiados à partidos políticos dos protestos.

Por outro lado, é interessantíssimo ver pipocar por todas as partes atos de proporções gigantescas que são autogestionados. No porgrama Roda Viva, o Movimento Passe Livre defendeu brilhantemente, dentre vários pontos, a horizontalidade como forma de efetivar mudanças.

A autoridade degrada o governante e o governado; nenhuma forma de autoridade é isenta, mesmo a democracia significa, simplesmente, a agressão do povo pelo povo, para o povo.

Woodcock, George. História das ideias e movimentos anarquistas. Vol. 2. página, 266.

No que tange o debate sobre o Passe Livre em São Paulo, acredito estarmos presenciando a eficácia de um módulo horizontal e autogestionável como instrumento de mudança. E, com toda mudança vem a incerteza. Será que essas mudanças irão se consolidar? Minha única certeza, perdoem o lugar comum, é que tanto ônus quanto bônus serão bem maiores que 20 centavos.

A máscara

“O clown encarna os traços da criatura fantástica, que exprime o lado irracional do homem, a parte do instinto, o rebelde a contestar a ordem superior que há em cada um de nós.

É uma caricatura do homem como animal e criança, como enganado e enganador. É um espelho em que o homem se reflete de maneira grotesca, deformada, e vê a sua imagem torpe. É a sombra”.  Federico Fellini

Acho que foi com Fellini (ou talvez Buster Keaton) que compreendi: quanto mais estraçalhada estiver a alma d@ palhaç@, mais divertid@ el@ será.
Me parece ser a máxima de vári@s artistas que se alimentam da dor para criar; dos cacos para construir.

***

Neste carnaval fui palhaça.
Convinham meus trajes pretos, inversamente proporcionais às cores daquela festa.

Naquela tarde, o bloco embalava os foliões com irreverentes marchinhas. O carro de som ganhava as ruas e mais adeptos. E os adeptos ganhavam as ruas para si.

Foi instintivo. Legítima defesa.
Pus a máscara. Deus ex machina.

A cada passo ia moldando a personagem. Seu andar, seus gestos, suas expressões… a avenida era minha ribalta. E desfilava por ela. Irreverente como a marchinha. Melancólica como a fantasia.

Distribuía e colecionava beijos. Fugazes.
Preenchia o vazio com o fugidio.
E na efemeridade de meu intento, buscava mais, e mais.
Cortejava o cortejo de libertinos. Seguía-os como seguiam religiosamente aquela procissão profana.
Queria que me vissem invisível.
Queria enxergá-los com os olhos da criatura; caricatura; que vissem seu exagero estampado em minha máscara exagerada.
Queria exaltar o ridículo e o belo de tudo aquilo. Profanando e santificando. Transgredindo a transgressão.
Assim como @s palhaç@s de verdade o fazem.
E, assim como estes, recolhi muitos sorrisos e algumas gargalhadas. Aplausos e elogios.
Também indiferença. Desconfiança. Até violência; Transferência, Freud explica.

O carro de som virou a esquina. Alguns ainda dançavam contagiados pelos ecos da música subitamente suspensa. O bloco ocupava o vazio. E o potencializava.

Buscando a completude, peregrinava de bloco em bloco.
Em vão.

O carnaval acabou.
E ainda não me despi da personagem.

***

Máscara

Avante Vadias!

Eis que João entra no açougue.

Há dias ele tinha o desejo irrepreensível de comer umas coxas bem suculentas…

  • Dia, seu Manoel!
  • Dia, João! O que vai ser desta vez?
  • Queria um belo par de coxas. Tens?
  • Claro!
  • Ihhh… a coxa hoje tá meio mirradinha… E cara, seu Manoel! Não pretendia gastar tanto…
  • Que tal peito?!?! Estão na promoção!
  • Mas seu Manoel! Olha o tanto de silicone!!!
  • É que não fazem mais mulheres como antigamente, João…

……………………………

Sempre me chamou a atenção essa antropofagia simbólica da mulher.

No sexo, a mulher não come o homem. É comida. Ela é gostosa… “delícia, delícia… ai se eu te pego”… “minha caça… te levo pro meu abatedouro”…

Quase um canibalismo gourmet!

……………………………

Para mim, o problema é quando, dentro dessa concepcão de coisificação da mulher, pequenos atos de violência são justificados ao se transferir a culpa do algoz à vítima.

  • Hummm… olha aquele “decote”;
  • Ai mini-saia!
  • Blusinha transparente, hein?!
  • Vestida desse jeito, quem resiste?!

E é contra essa ideia torpe – que pode gerar consequências ainda mais nefastas – que centenas de mulheres em todo o país se organizaram para realizar um evento de caráter nacional nas principais capitais brasileiras. Sobre a Marcha das Vadias e todo o contexto do movimento no Brasil, altamente recomendo esse e esse – dois belíssimos e totalmente esclarecedores textos da Bianca Cardoso. Leitura obrigatória e imperdível! 

Originada no Canadá, em 2011, em protesto ao comentário infeliz de um policial que aconselhou às mulheres pararem de se vestir como “vadias” como forma de evitar a violência sexual, a Marcha das Vadias, neste ano, ganha um caráter mais político e de cunho feminista, fruto de uma mobilização que nasceu online e partiu para as ruas.

Como bem lembrou Lena Azevedo: “Coisas que causam o estupro: Não é bebida, andar só, nem usar roupa sexy. É o estuprador.”

Em uma análise de 80 países, o Brasil ocupa a sétima colocação com uma taxa de 4,4 homicídios para cada 100 mil mulheres. Com o agravante de que em 68,8% dos atendimentos a mulheres vítimas de violência, a agressão aconteceu na residência da vítima”.

Na Marcha brasileira deste ano está clara a ligação do evento às causas feministas e ao movimento feminista em si, o que, ao meu ver, fortalece e legitimiza a luta. O protesto está embasado nas demandas locais e houve um belo diálogo entre as organizações das capitais, que definiram uma data em comum: dia 26 de maio (Confira aqui o calendário da Marcha no país). Cada cidade conferiu sua própria identidade à mobilização.

” No DF, marchamos porque houve cerca de 684 inquéritos policiais em crimes de estupro – uma média de duas mulheres violentadas por dia (..) no Brasil, aproximadamente 15 mil mulheres são estupradas por ano”.

“Marchamos pelo direito ao aborto legal e seguro, porque não queremos Legislativo, Judiciário ou Executivo interferindo em nossos úteros para nos dizer que um aborto é pior que um estupro.”- Manifesto DF 2012

Mais um ano, mais uma marcha. E eu, novamente, infelizmente, não poderei sair às ruas. Mas, como diz Lulu Marilac “neste ano resolvi fazer algo diferente”; Aderi ao “ativismo de sofá” na esperança de que, assim como a Marcha, eu passe do online para as ruas.

Porém, deixo registrada minha adesão à luta e admiração pelas mulheres que, de uma forma ou de outra, estão na linha de frente por respeito e contra a violência.

Antes tarde…?

FINALMENTE! Depois de quase 8 anos de processo em trâmite no Supremo Tribunal Federal (STF), agora, as mulheres que carregam filhos anencéfalos no útero podem legalmente escolher se levam ou não a gravidez adiante.

Ontem (11/04/2012), enquanto acompanhava o “primeiro tempo” do julgamento (retomado nesta quinta-feira), tive um rápido flashback e me vi repetindo as mesmas sensações que tive em 2004. Naquela época eu era recém-contratada pela Radiobrás, hoje, EBC- Empresa Brasil de Comunicação. No dia da sessão do STF lá em 2004, me lembro de, sempre que possível, dar umas escapulidas do trabalho e correr para a frente da TV na redação da Agência Brasil e acompanhar os votos dos ministros. Era o primeiro mandato do Lula e o país ainda vivia em lua-de-mel com o “novo” governo. Ao ver quanta coisa aconteceu nesses anos todos, vejo, portanto, o quanto esse processo se arrastou e sinto um aperto no peito ao pensar em quantas mulheres foram penalizadas por essa demora.

Não sou militante ativa, não sou ligada a nenhuma organização de defesa dos direitos da mulher, não conheço quem tenha vivido, muito menos vivi a realidade em julgamento. Mas sou simpatizante, talvez “por instinto”, da causa. No julgamento de ontem era um voto, um suspiro.

Porém, para mim, a decisão favorável chega atrasada. Conquistada após o sofrimento de muitas pessoas (mães, pais, irmãos, avós e tios dos bebês anencéfalos), não consigo vê-la como uma Grande Vitória (levando em conta aquele jargão: vencemos uma batalha, mas não a Guerra). É um passo importantíssimo, mas ainda há muito o que fazer para se conquistar o direito à vida e à dignidade da pessoa humana no Brasil.

Não consigo comemorar a decisão de hoje desprovida de críticas e pesar. Quanto tempo se levou para julgar uma ação que preenchia todos os requisitos legais no que tange a Constituição e as normas penais? Quanta influência religiosa ainda paira sobre as decisões de Estado e quanto lobby de entidades retrógradas e conservadoras ainda trava processos que deveriam fluir “democraticamente”? Quantas mulheres foram forçadas (e portanto torturadas) a carregar um condenado à morte em seus ventres, sofrendo sérios riscos/traumas psíquicos e físicos? Qual a dificuldade de se garantir o direito à vida? Sim, à vida! Ao contrário do que os radicais conservadores pregam, direito à vida não é apenas existir. O ministro Marco Aurélio Mello disse bem (sim, vou linkar a Veja :/): “O Código Civil prevê o direito do nascituro, ou seja, daquele que nasceu respirando por esforço próprio. Enquanto o feto está ligado ao cordão umbilical, a responsabilidade é da mulher que o carrega”. Um indivíduo, por lei, é um ser que existe por si só, e não por meio de aparelhos ou de um cordão umbilical. Afinal, se não há aparelho, humano ou máquina, aquele ser vivo não vive e não existe. O direito à vida é o direito de ser um indivíduo com saúde física e mental, um indivíduo que viva com dignidade e possibilidades de escolha que garantam justamente esses princípios. E é nisso que me pauto quando falo de direito da mulher: o direito sobre Sua vida.

O grande tabu que atravancou o processo sobre os anencéfalos no SFT foi o medo de se abrir precedentes para a descriminalização do aborto. Medo este real e, espero, imediato. Já passou da hora de o Brasil e seus brasileiros entenderem que somos um Estado Laico e lidar com as questões efetivamente dentro deste paradigma.

E, em nome de Allah, digo amém para a (demorada, porém justa) decisão do STF e, com o sangue de Jesus, que ela dê espaço para se discutir a garantia dos direitos da pessoa humana sem a intervenção religiosa. Oremos pelo Estado Democrático de Direito. Mazel tov!

Vale a pena ler para saber mais:

Entrevista da Debora Diniz

Os posts da feminista Bianca Cardoso

Os posts das Blogueiras Feministas

Um fantasma ronda nossa rota- o fantasma do eufemismo. Todos os especialistas em marketing e promoção pessoal unem-se para conjurá-lo. Quem nunca foi orientado a usar expressões como “estou num intervalo entre um trabalho e outro” ou “estou num período de transição”, “de introspecção”, “de definição do futuro profissional”? “Férias por tempo indeterminado”, “ano sabático”, “aposentadoria precoce”, “dando um tempo da rotina”, “tocando um projeto pessoal”, “vivendo de freelas”, “desestressando”?

Ora, ora!

Reza!

Exorciza o espírito (de porco) do eufemismo!

É tempo de os desempregados exporem ao mundo seu modo de ver, falar, beber, dormir, comer…

Com este fim, reuniram-se num boteco pé sujo bem próximo as suas casas (para economizar na condução e queimar na cachaça) desempregados de várias modalidades (demitidos sem justa causa, com ótima causa, rebeldes com e sem causa, colegas de férias coletivas e fanfarrões que chutaram o pau da barraca) e redigiram o seguinte manifesto, publicado em vários guardanapos de papel afanados desse mesmo estabelecimento e escritos com carvão do cara do churrasquinho de gato da esquina.

Orêia Revolution!

A história de todas as empresas tem sido a história da eterna luta de classes; a classe do patrão versus a classe do empregado, do temporário, celetista, freelancer, terceirizado… em duas palavras: cabeça e orêia [Esclarecemos o papel da cabeça como responsável pelos constantes tapas no pé das orêia].

Frente a tão triste contexto, surgiu, na década de 30, nos Estados Unidos, um grupo de orêias latejantes que decidiu aplicar pescoções às cabeças. O movimento perdeu força depois que várias cabeças multietnicas se uniram para exterminá-lo, mas retomou seus trabalhos em meados de 2008. Com força total e em boa parte do mundo! No Brasil a aderência ao movimento tiosamzista vem cambaleando graças a um grupo de resistência autointitulado “marolinhas progressistas”.

O Orêia Revolution é, portanto, uma série de medidas propostas afim de legitimar o legítimo movimento pró-desemprego, honrando seus membros, nobres desassalariados frequentemente infamados pela pecha infamante de “desocupados”.

Dito isso, clamamos por:

  • Abolição do eufemismo e consequente reconhecimento e aceitação total-universal do “desemprego” como única e justa designação.

  • Livre uso do status “ocupado”. (Não! Não podemos levar a vovó ao Kung Fu! Sim! Podemos estar “ocupados” e “ausentes” mesmo sem emprego! “Desocupado” de cu é rola!)

  • Extinção da conta rachada igualmente. (Amigos, amigos, negócios à parte. Não pagaremos pelos seus bons drink. E, para o desempregado, 10% é facultativo e faz falta!)

  • Confisco de todo o jornal e não apenas dos classificados. (Desempregado não é analfabeto nem alienado! Pelo direito a acompanhar o Brasileirão, a política nacional, o horóscopo e o spoiler das novela da Grobo!)

  • Imediata aplicação do Cadastro Nacional dos Desempregados no Sistema Venda Fiado. Livre adesão, cadastro e carteirinha gratuitos aos filiados.

  • Instituição do Dia Nacional do Orgulho Desempregado. (Se os héteros têm, nós tamém!)

(AVISO: Qualquer semelhança com outro famoso manifesto é plágio e falta de criatividade de seus autores. Afinal, se fossem criativos e visionários, estariam todos abraçados e abençoados pelo Pai Google…)

Danielle Almeida Pereira – orgulha-se em autointitular-se a si mesma “feliz desempregada”. Motivo este que a alçou ao posto de militante primeira na luta contra o eufemismo. Já disse ao mundo que era jornalista, mas hoje busca esconder o fato. Fez curso de atacante e graduou-se em chutar o pau da barraca. Alforriada, clamou querer ser fotógrafa quando crescer. O resultado está aqui (miradas.com.br). Entra aê e me ajuda a ganhar page views, ti@!?

Mussum me entendis

Sabe quando um pinguinho de shampoo cai no seu olho durante o banho e você precisa ficar ao menos um minuto enxaguando o local para minimizar o ardor?

Imagine agora que esse pinguinho de shampoo que caiu em seu olho fechado seja transformado em uma substância ainda mais potente, colocada num conta-gotas e despejada em seu olho aberto…

Mesmo amarrado, você se debate desesperadamente enquanto o produto parece corroer seu organismo. Não há como retirá-lo ou amenizar seu impacto e a dor; seja com água ou com algum anestésico.

Passada a dor excruciante, ficam os efeitos colaterais e a grande chance de você perder a visão e o olho.

Isso tudo para que as pessoas possam colorir seus cabelos em segurança.

Sim! Você não leu errado e Não! Este não é um devaneio altamente despropositado.

Essa prática é comum em laboratórios que avaliam a toxidade de produtos de limpeza e costméticos. Os testes Draize são feitos em coelhos, que são imobilizados para não tentarem arrancar seus próprios olhos, e podem levar semanas.

Além do Draize, há o LD 50, um teste fatal, e outros métodos que consistem no envenenameno, no confinamento, na aplicação de produtos corrosivos na pele esfolada de animais, no isolamento de filhotes, no consumo de tabaco e alcóol forçado em grandes quantidades e por um largo período, na fratura de membros… e por aí vai.

Tudo isso “em prol” do consumidor humano.

Estima-se que, apenas nos Estados Unidos, todos os anos, cerca de 115 milhões de bichos sejam usados como cobaias em laboratórios e, logo (após ou durante), mortos. De acordo com a organização Peta, a indústria de testes em animais se converteu em um negócio milionário, envolvendo governos, empresas, universidades e criadores de animais. As indústrias de cosméticos, produtos de higiene e gêneros alimentícios são os principais perpetradores desse tipo de teste.

Mas alegar que a segurança dos consumidores justifica a tortura de animais é, no mínimo, uma postura despropositada, retrógrada e, claro, cruel.

É inconcebível que, com o avanço da ciência nos dias atuais, tais práticas ainda existam e sejam defendidas como como única forma de assegurar o bem-estar da espécie humana.

A organização brasileira PEA (Projeto Esperança Animal) lista um série de descobertas das ciências médicas que não se utilizaram de cobaias animais. Dentre elas, destacam-se a descoberta da penicilina e das formas de transmissão do vírus HIV, o desenvolvimento da vacina contra a Febre Amarela, de tratamentos para o câncer de próstata e drogas antidepressivas.

Vi em um documentário certa vez que a cada 3 minutos morre um animal vítima de testes em laboratórios na Europa. No entanto, é no velho mundo onde há maior consciência quanto a tal prática. Os produtos que não usam cobaias recebem, inclusive, um selo.

Através desse mesmo documentário, soube que os cães da raça beagle são os mais procurados para testes, uma vez que são calmos e dóceis.

Estranho é ouvir o argumento que atesta a inferioridade dos animais perante o ser humano como forma de ratificar os cruéis testes. Soa um tanto nazista, não?!! Sem contar que extremamente desumano, com o perdão do jogo de palavras.

E irônico é saber que muitas das empresas acusadas de usar cobaias comercializam produtos que serão oferecidos a outros animais, como rações e produtos de higiene veterinários.

Ao contrário de muitas das organizações que denunciam os testes defenderem os hábitos vegan e/ou vegetariano, afirmo que eu não sigo essas linhas, apesar de reconhecer seus benefícios tanto para o bicho homem quanto para os outros bicho e de admirar sua causa (quando não aderir em alguma medida).

No entanto, o fato de alguém gostar de comer carnes não impede que busquemos um consumo consciente, livre de crueldades e práticas desnecessárias realizadas em animais indefesos.

Informe-se e evite produtos livre de crueldade, seja ela perpetrada na hora do abate do animal que você irá consumir, seja ela cometida em laboratórios.

Pense duas vezes antes de passar o desodorante AXE para atrair as gatinhas, antes de usar o Close-up para dentes mais brancos e hálito mais refrescante, a gilette para um barbear mais preciso, o sabonete Dove para uma pele mais hidratada, as fraldas Pampers para um bumbum mais sequinho, o condicionador Pantene para cabelos mais sedosos (como os da Pop Top e pouco informada Gisele Bünchen) e, porque não, os shampos Jonhson & Johnson que não ardem quando caem nos olhos… dos bebês humanos, claro.

Confira aqui a relação das empresas internacionais que realizam e as que não realizam testes em animais.

E conheça a lista brasileira das empresas que não financiam a crueldade com animais.

Muita gente me chamou de doida…

Eu até entendo, já que insatisfação não parece ser um motivo socialmente aceitável como racional quando o que está em jogo é a nossa estabilidade financeira.

Pior é quando se vive na capital federal e o sonho dourado desta mesma estabilidade financeira através de concurso público é algo quase sagrado. Sem ofensas. É impossível não fazer ao menos uma provinha e tentar um bom emprego por aqui.

Eu fiz há anos e eu consegui uma vaga. Não era o melhor concurso, com os melhores salários, nos melhores locais. Pelo contrário. Era piso salarial para os concursados, celetista. Mesmo assim, era um bom emprego… salário garantido no início do mês, férias garantidas… direitos trabalhistas garantidos… zero em saúde no trabalho.

Apesar dos pesares, era um emprego, que consegui meritoriamente; dentro da minha área e que, ao menos na teoria, atendia meus ideais profissionais.

Isso, naquela época, funcionava pra mim. Hoje, não mais.

Que (seu) Deus proteja os idealistas!

Eis minha carta e os motivos pelos quais pedi demissão da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), antiga Radiobrás:

Prezados chefes,

Venho por meio desta solicitar o meu desligamento da empresa.

Tal pedido não é fácil para mim. Entrei aqui há 5 anos, aprovada em concurso público para o cargo de editora logo após ter concluído a universidade. Mesmo que “selecionada” pela empresa, trabalhar na Radiobrás era a minha escolha. Acreditava em sua missão e em seu ideal de jornalismo público e cidadão. Queria e consegui, por algum tempo e a duras penas, desempenhar minha função social, primando pela democratização da informação de forma ética, consciente e plena.

Com muito pesar, vi todo este potencial de jornalismo público e cidadão (que sempre permeou a empresa) ser gradativamente menosprezado pelas gestões das quais fiz parte, ainda que de maneira maquiada.

Passei por vários setores e participei de projetos importantes, como a implementação da Radiogência Nacional. Foi nela que tudo começou. Orientada por minha incrível chefia, ajudei a colocar no ar este que foi um dos produtos mais democráticos e cidadãos da empresa. Não obstante a precária estrutura de pessoal, a Radioagência funcionava quase que 24 horas por dia. É de uma gratificação desmesurada levar jornalismo de qualidade a lugares com escasso acesso à informação.

Lamentável era que este esforço prazeroso fosse alcançado em detrimento de nossa saúde, devido à falta de pessoal, de infra-estrutura, e em razão da insalubridade do local.

Esta mesma insalubridade me acompanhou durante meu tempo como editora da Voz do Brasil e me retirou do trabalho por semanas. Mesmo com um adicional de insalubridade tardia e duramente conquistado, sofri danos, como o agravamento de meu quadro de sinusite (que agora é crônico), e riscos, como a radiação à qual fui exposta durante anos.

Porém, estas questões não me impactavam nem me descompunham tanto quanto os desprezíveis interesses pessoais e políticos que sabotavam não só o meu trabalho, a minha ética e o meu papel de jornalista, mas a missão e função da empresa.

Tal ato me impediu, em uma das ocasiões, por exemplo, de expandir horizontes e explorar meu leque de opções. Por muito tempo, insisti numa transferência para a editoria de Fotografia da Agência Brasil. Após desistir de algo formal e tentar o voluntariado, vi meu interesse no aprendizado ser mal interpretado por alguns funcionários e fui impedida de publicar o resultado deste estágio voluntário. No entanto, comemoro os ensinamentos do período.

Tive vários e grandes mestres, melhores amigos, com quem aprendi muito do que sei hoje. Depois de uma rápida passagem pela edição da Agência Brasil, fui integrar a equipe Multimídia da ABr, junto a Yasodara Córdova e Mário Marco Machado; e, em seguida, com Daniel Pádua, Emerson Luis, Lincoln Clarete e Hoziel Houston. Com eles descobri um mundo novo, uma forma de comunicação visionária, democrática, com diversas vozes, pensamentos e movimentos. Destes e de outros mestres recebi não só toda a gama de informação, troca de experiências e orientação, mas a amizade e o reconhecimento, pelos quais sou imensamente grata.

Foi o reconhecimento recebido pelo chefe Emerson Luis que me garantiu, após muitos e insistentes pedidos, em vão, a outras chefias, o gozo de uma licença não-remunerada; um benefício aos funcionários do quadro, mas que, infelizmente, na prática, é uma regalia, uma rara exceção à regra.

Assim como a maioria dos empregados do quadro, tenho recebido, junto ao contra-cheque desanimador, o desprezo por parte da direção da empresa. Mesmo tendo conquistado o adicional de insalubridade e o plano de cargos e salários, acredito que somos tratados ainda com desdém por esta gestão, haja vista as últimas negociações salariais e o aumento crescente no número de cargos de chefia com salários estratosféricos, acarretando no alargamento do abismo que separa os funcionários do quadro e os cargos de confiança. É impossível não sentir-se desmerecido com tal atitude.

E desmerecimento é a palavra que resume a forma como venho me sentindo nos últimos meses. Depois que voltei de licença não-remunerada e passei à responsabilidade da atual coordenação de Conteúdo Multimídia da EBC, fui injustamente sub-aproveitada; vi meus conhecimentos em infografia, fotografia, jornalismo multimídia, redes sociais, edição de áudio e vídeo serem descartados e desconsiderados sem uma razão clara; além de sentir-me boicotada em minhas tentativas de garantir meu serviço social, em realizar um trabalho para o público e não para o privado, de forma ética e responsável. Foi grande minha decepção, não só naquele momento, mas em várias outras ocasiões durante minha trajetória na empresa, ao perceber, nas chefias e nos funcionários, o descompromisso para com o trabalho público. Decepção e ressentimento, também, por ver-me, algumas vezes, sendo impelida à conivência para com tal atitude.

Estes também vêm sendo sentimentos com os quais convivo diariamente em minha rotina, depois de rápida estada na Presidência da República e transferência não comunicada e previamente não consentida para a EBC Serviços. Resignei-me à mudança, apesar de desaprovar o arranjo burocrático (existente após a extinção da Radiobrás) que me retirava de minha escolha pelo público. Pessoalmente, defendo que a disposição política que  repartiu uma empresa – pública em sua essência- em dois eixos opostos impeça a transparência de nossas ações e metas. Foi com desconfiança e desapontamento que vi um aumento vertiginoso das verbas para a nova EBC, ademais da criação de novos e numerosos cargos de gerência e coordenação, cujos salários segregavam ainda mais os funcionários e colocavam em risco a autonomia de nossa missão.

Toda essa insatisfação vem sendo dolorosamente incubada por longo tempo e a frustração é cada vez maior, especialmente, quando ela afeta a dedicação ao trabalho. Minha saída é reflexo do que me foi negado pela empresa e do que eu tive de negar por ela.

Porém, ainda acredito no potencial serviço público que a EBC pode empreender, não obstante as ingerências que a assolam. Cabe aos funcionários ter uma visão mais ativa que garanta a continuidade do bom trabalho independente da política. A eles, só resta a esperança de melhora no futuro. Quem sabe em uma próxima gestão?


Finalmente, no final do ano passado, a mídía prestou-se ao serviço de divulgar a prática de atividades ilícitas do governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda. Em operação da Polícia Federal, o governador e sua trupe foram pegos no pulo.

Comemorei, pois não é de hoje, nem da época da Operação Caixa de Pandora, que ouço a respeito da corrupção no Governo Arruda. Lembrando que o político é cria de Joaquim Roriz (suspeito de ter ajudado nas denúncias contra seu concorrente nas próximas eleições) e reincidente em casos de ilegalidades, como no episódio da violação do painel do Senado, junto com o falecido ACM. Bem… “diga-me com quem andas”…

Na época das denúncias, cheguei a comentar por aqui minha indignação frente à lentidão em se divulgar as ingerências do GDF.

No entanto, resolvi tentar discutir as consequências de tal ato sob uma outra ótica. Fiz uma reportagem publicada na 365 edição do jornal Brasil de Fato. E, na semana passada, veiculada na página do jornal na internet. Olha que feliz!!!

Só estou publicando o texto na íntegra aqui, em vez de incentivar a leitura no portal do Brasil de Fato, porque queria divulgar as fotos que fiz na comunidade junto com o texto (caso contrário usaria o flickr. O que pretendo fazer no futuro) :p

Segue a matéria:

Todos os dias Ana Paula Duarte sai de casa para buscar o pão e o leite das crianças. Dona-de-casa, casada e mãe de dois filhos – eram três, mas o caçula morreu há um mês –, ela comemora o leite e o pão distribuídos gratuitamente pelo governo local às famílias carentes. “Significa muita coisa. Para mim é uma alegria, porque tinha dia que eu não tinha nem dinheiro para comprar o pão dos meus filhos”.

Há três anos, Ana Paula mudou-se do Paranoá para Itapoã, uma das comunidades mais pobres do Distrito Federal. Ela poderia ter ganhado mais do que um simples pão neste fim de ano caso as alegações do governador do DF, José Roberto Arruda (ex-DEM, agora sem partido), fossem reais. No final de novembro, a Polícia Federal desencadeou a operação Caixa de Pandora, que desmontou um esquema de corrupção e pagamento de propina a políticos da base aliada. Algumas das ações foram filmadas. Em um dos vídeos, Arruda foi flagrado recebendo R$ 50 mil. O dinheiro, segundo ele, seria destinado à compra de panetones para populações carentes do DF.

Se pudesse desejar algo para este natal, Ana Paula escolheria “felicidade e segurança”. “De panetone eu realmente não precisaria, não. Precisaria do pão e do leite se fosse o caso de ele [Arruda] tirar. A gente precisa muito desse pão e leite. Mas, panetone, sinceramente, não precisaria, não”, diz.

Para ela, o maior problema da cidade é a insegurança: “Se a gente quiser saúde ou segurança, tem que ir para o Paranoá”. “Agora mesmo acabou de matar um ali. Em plena luz do dia!”, contou.

Em Itapoã são realizados projetos e ações dentro do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), do Ministério da Justiça. As parcerias com sociedade civil e o Governo do Distrito Federal têm o intuito de prevenir a violência e a criminalidade, especialmente entre jovens de 15 a 24 anos.

Assim como Ana Paula, a comerciante Regina Arruda também acredita que o principal problema do local seja a violência. O assassinato comentado por Ana Paula ocorreu em frente ao estabelecimento de Regina. De acordo com os moradores e com a Polícia, um rapaz de 23 anos, conhecido por Pará, foi morto no local. Ele era genro e ajudante de um dos maiores traficantes de Itapoã, Edson Ferreira de Mesquita, o Peixe, que também foi baleado na ocasião.

Regina conta que, quando escutou o tiroteio, fechou as portas do bar e correu para os fundos da casa, “porque é muito arriscado, né?! Meu único jeito é fechar”.

O ataque aos traficantes ocorreu no dia em que Itapoã comemorava um ano de lançamento do projeto Território de Paz, vinculado ao Pronasci. A parceria entre governo federal e GDF previa 28 ações de prevenção à violência, como instalação de câmeras de segurança, telecentros de inclusão digital e policiamento comunitário. Segundo informações do GDF, foram investidos cerca de R$ 43 milhões.

Neste fim de ano, Regina diz querer paz. Se tivesse de pedir algo às autoridades, de acordo com a comerciante, panetone não entraria na lista: “Graças a Deus eu trabalho e compro”. “Mais segurança, gente! A gente não precisa de pão, não”.

Relatividade e humanização

Apesar das necessidades serem parecidas, os desejos das comunidades são relativos. Essa é a opinião de Max Maciel, coordenador da Central Única das Favelas (Cufa) do DF. “Se a gente visitasse hoje uma comunidade que não tem asfalto, que sofre com a poeira e a lama, a primeira prioridade deles seria o asfalto, por mais que o problema identificado fosse o lixo, porque a cidade é suja. Mas eles iam querer o asfalto, porque a poeira atrapalha mais que o lixo. Primeiro você vai ter de dar o asfalto para depois discutir o lixo”.

Ele ressalta a importância de se trabalhar a humanização desses locais. “Não adianta só colocar asfalto, luz, isso é urbanização. Mas não garante a humanização dessas pessoas. Então a gente tem pessoas da cidade de Ceilândia que não se reconhecem moradores de Ceilândia, não querem morar na Ceilândia. Você tem moradores da cidade Estrutural que colocam no seu currículo outras cidades para não dizer que moram na Estrutural, com medo do preconceito. E isso é uma violência maior”, diz.

Na visão do coordenador da Cufa-DF, o ideal seria que essas cidades já surgissem como o novo bairro de classe alta de Brasília, o Noroeste: “com ciclovias, parque ecológico… por que não? Samambaia, que tem 18 anos, tem ruas sem asfalto há 18 anos. E nós temos bairros novos crescendo com toda a infraestrutura”.

Em meio à polêmica de construir uma área residencial em reserva ambiental e indígena, o GDF conseguiu destravar os processos e, somente neste ano, a Companhia Imobiliária de Brasília (Terracap) realizou quatro licitações de terrenos do Noroeste. Ao todo, as vendas deste ano já acumulam mais de R$ 1 bilhão. O vice-governador do DF, Paulo Octavio, também envolvido nos escândalos, é o dono da maior imobiliária da capital.

Dicotomia

Cerca de 20 quilômetros separam Itapoã do Plano Piloto. Para se sair de um lado ao outro há dois caminhos, ambos passando pelas regiões nobres do DF: o Lago Norte e o Lago Sul.

Há uns 5 minutos de Itapoã, o setor de Mansões do Lago Norte e o Lago Paranoá acompanham a estrada. Já para aqueles que optam pela via do Lago Sul, é obrigatória a passagem pela Ponte JK, um empreendimento milionário, herança da era Joaquim Roriz, que governou o DF por 16 anos [de 1988 a 1990, de 1991 a 1995 e de 1999 a 2006) e marcou a região com seus loteamentos irregulares. Segundo a Secretaria de Obras do GDF, foram gastos R$ 182 milhões para construir o monumento.

Itapoã é fruto de invasões. Em 2001, famílias de outros estados e da cidade vizinha Paranoá deram início à ocupação das terras pertencentes à Aeronáutica, que pretendia instalar uma antena de controle aéreo para o DF. Segundo alguns moradores, muitos viam na região a possibilidade de fugir do aluguel que não podiam pagar (e ainda veem, pois a invasão mais recente no local não tem nem um ano). Quatro anos mais tarde, a área passou a ser a Região Administrativa XXVIII – Itapoã.

O Distrito Federal é dividido em regiões administrativas ligadas ao GDF. Algumas não são bem delimitadas. Para o coordenador da Cufa-DF, o fato de as cidades satélites não serem autônomas gera um problema, pois os impostos recolhidos nestas localidades não voltam necessariamente para elas. “Algumas cidades não conseguem se segurar sozinhas, porque nós não temos incentivo para as pessoas criarem uma empresa e gerarem emprego e renda em sua própria comunidade. Tudo o que é arrecadado no DF vai para o montante e não é dividido de forma igual”.

Coordenador da Cufa-Df, Max Maciel, explica a situação da população de baixa renda de Brasília

Max Maciel define como “apartação social” a situação no Distrito Federal e reclama da “dicotomia” em que vive a população: “O meu ônibus é diferente do ônibus daqui [plano piloto], o tratamento no meu posto de saúde é diferente do tratamento no posto de saúde daqui, a educação e as escolas públicas das nossas cidades são diferentes das escolas públicas daqui. Por quê? Porque não foi planejada no Entorno, não foi incorporada e até hoje não se sente incorporada. Nós somos iguais! É uma dicotomia”.

Hoje, Itapoã tem mais de 100 mil habitantes que vivem com uma renda familiar média de R$ 403.

Dados da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan) mostram que metade da população não completou o primeiro grau e 18,7% das crianças menores de 7 anos estão fora das escolas.

A cidade não possui escola de nível médio. Para cursar o 2º grau, os alunos devem buscar as instituições do Paranoá e de outras regiões do DF. Em Itapoã, são duas escolas de ensino fundamental, sendo que a mais nova foi aberta há dois meses. Também só recentemente os estudantes receberam transporte escolar gratuito. A comunidade é a segunda no ranking de pior escolaridade, só perdendo para o Varjão (Região Administrativa XXIII).

Itapoã não tem delegacia, mas dois postos policiais; nem hospital, mas um posto e um centro de saúde.

Apesar de ser uma das áreas mais carentes do DF, seus moradores se mostram satisfeitos com a cidade. A dona-de-casa Ana Paula Duarte diz gostar muito do lugar onde vive. “Aqui é muito bom para mim, tirando a violência. Mas acho que todo lugar tem isso, né?!”, justifica.

Para a comerciante Regina Arruda, a insegurança não é motivo para buscar outro local. “A gente fica com medo, mas tem que sobreviver, né?! A única coisa que eu tenho é esse lote. Não dá para mudar daqui, porque hoje em dia a violência está em todo canto”, argumenta.

Ação eleitoreira

Pelos muros de Itapoã é possível encontrar mensagens de agradecimento ao governador Arruda e ao deputado distrital, Leonardo Prudente, presidente da Câmara Legislativa do DF e uma das “estrelas” do chamado Mensalão do DEM. As imagens veiculadas na mídia mostraram cenas pitorescas, como aquelas em que Prudente aparece escondendo dinheiro nas meias e, em outra filmagem, orando pela propina recebida.

Alguns moradores, que não quiseram se identificar, contaram que, antes do escândalo envolvendo o GDF, a figura do deputado era bastante difundida na comunidade. Segundo contam, até os carros oficiais vinham com a fotografia do presidente da Câmara Distrital estampada na lataria.

De acordo com a Codeplan, 38,7% dos habitantes de Itapoã vivem com até um salário mínimo, valor 100 vezes inferior ao recebido por Arruda em apenas um dos flagrantes. “Não sei se algum dos senhores dessas comunidades conseguiria se imaginar com R$ 50 mil. Para eles seria como ganhar na loteria”, diz Max Maciel.

O coordenador da CUFA-DF defendeu a emancipação das cidades carentes como forma de se combater a pobreza e condenou ações de “barganha” que, segundo ele, não garantem uma melhora na vida dessas populações. O coordenador disse, ainda, que a desculpa da distribuição de panetones nessas comunidades poderia se caracterizar como uma ação eleitoreira, mas não como uma ação social eficaz:

“Nenhum panetone mudaria o Natal de uma criança. O que mudaria o Natal de uma sociedade seria ela mesma poder comprar um panetone no final do mês. A elite criou as leis para se manter no poder, vai barganhar por panetone, por cesta básica. E não é isso que a gente quer. Panetone e cesta básica não é pra gente. Isso a gente quer ter o direito de comprar”.

O administrador regional de Itapoã, Marco Aurélio Demes, foi procurado pela reportagem e se recusou a dar entrevista.