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Posts Tagged ‘empresa pública’

Muita gente me chamou de doida…

Eu até entendo, já que insatisfação não parece ser um motivo socialmente aceitável como racional quando o que está em jogo é a nossa estabilidade financeira.

Pior é quando se vive na capital federal e o sonho dourado desta mesma estabilidade financeira através de concurso público é algo quase sagrado. Sem ofensas. É impossível não fazer ao menos uma provinha e tentar um bom emprego por aqui.

Eu fiz há anos e eu consegui uma vaga. Não era o melhor concurso, com os melhores salários, nos melhores locais. Pelo contrário. Era piso salarial para os concursados, celetista. Mesmo assim, era um bom emprego… salário garantido no início do mês, férias garantidas… direitos trabalhistas garantidos… zero em saúde no trabalho.

Apesar dos pesares, era um emprego, que consegui meritoriamente; dentro da minha área e que, ao menos na teoria, atendia meus ideais profissionais.

Isso, naquela época, funcionava pra mim. Hoje, não mais.

Que (seu) Deus proteja os idealistas!

Eis minha carta e os motivos pelos quais pedi demissão da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), antiga Radiobrás:

Prezados chefes,

Venho por meio desta solicitar o meu desligamento da empresa.

Tal pedido não é fácil para mim. Entrei aqui há 5 anos, aprovada em concurso público para o cargo de editora logo após ter concluído a universidade. Mesmo que “selecionada” pela empresa, trabalhar na Radiobrás era a minha escolha. Acreditava em sua missão e em seu ideal de jornalismo público e cidadão. Queria e consegui, por algum tempo e a duras penas, desempenhar minha função social, primando pela democratização da informação de forma ética, consciente e plena.

Com muito pesar, vi todo este potencial de jornalismo público e cidadão (que sempre permeou a empresa) ser gradativamente menosprezado pelas gestões das quais fiz parte, ainda que de maneira maquiada.

Passei por vários setores e participei de projetos importantes, como a implementação da Radiogência Nacional. Foi nela que tudo começou. Orientada por minha incrível chefia, ajudei a colocar no ar este que foi um dos produtos mais democráticos e cidadãos da empresa. Não obstante a precária estrutura de pessoal, a Radioagência funcionava quase que 24 horas por dia. É de uma gratificação desmesurada levar jornalismo de qualidade a lugares com escasso acesso à informação.

Lamentável era que este esforço prazeroso fosse alcançado em detrimento de nossa saúde, devido à falta de pessoal, de infra-estrutura, e em razão da insalubridade do local.

Esta mesma insalubridade me acompanhou durante meu tempo como editora da Voz do Brasil e me retirou do trabalho por semanas. Mesmo com um adicional de insalubridade tardia e duramente conquistado, sofri danos, como o agravamento de meu quadro de sinusite (que agora é crônico), e riscos, como a radiação à qual fui exposta durante anos.

Porém, estas questões não me impactavam nem me descompunham tanto quanto os desprezíveis interesses pessoais e políticos que sabotavam não só o meu trabalho, a minha ética e o meu papel de jornalista, mas a missão e função da empresa.

Tal ato me impediu, em uma das ocasiões, por exemplo, de expandir horizontes e explorar meu leque de opções. Por muito tempo, insisti numa transferência para a editoria de Fotografia da Agência Brasil. Após desistir de algo formal e tentar o voluntariado, vi meu interesse no aprendizado ser mal interpretado por alguns funcionários e fui impedida de publicar o resultado deste estágio voluntário. No entanto, comemoro os ensinamentos do período.

Tive vários e grandes mestres, melhores amigos, com quem aprendi muito do que sei hoje. Depois de uma rápida passagem pela edição da Agência Brasil, fui integrar a equipe Multimídia da ABr, junto a Yasodara Córdova e Mário Marco Machado; e, em seguida, com Daniel Pádua, Emerson Luis, Lincoln Clarete e Hoziel Houston. Com eles descobri um mundo novo, uma forma de comunicação visionária, democrática, com diversas vozes, pensamentos e movimentos. Destes e de outros mestres recebi não só toda a gama de informação, troca de experiências e orientação, mas a amizade e o reconhecimento, pelos quais sou imensamente grata.

Foi o reconhecimento recebido pelo chefe Emerson Luis que me garantiu, após muitos e insistentes pedidos, em vão, a outras chefias, o gozo de uma licença não-remunerada; um benefício aos funcionários do quadro, mas que, infelizmente, na prática, é uma regalia, uma rara exceção à regra.

Assim como a maioria dos empregados do quadro, tenho recebido, junto ao contra-cheque desanimador, o desprezo por parte da direção da empresa. Mesmo tendo conquistado o adicional de insalubridade e o plano de cargos e salários, acredito que somos tratados ainda com desdém por esta gestão, haja vista as últimas negociações salariais e o aumento crescente no número de cargos de chefia com salários estratosféricos, acarretando no alargamento do abismo que separa os funcionários do quadro e os cargos de confiança. É impossível não sentir-se desmerecido com tal atitude.

E desmerecimento é a palavra que resume a forma como venho me sentindo nos últimos meses. Depois que voltei de licença não-remunerada e passei à responsabilidade da atual coordenação de Conteúdo Multimídia da EBC, fui injustamente sub-aproveitada; vi meus conhecimentos em infografia, fotografia, jornalismo multimídia, redes sociais, edição de áudio e vídeo serem descartados e desconsiderados sem uma razão clara; além de sentir-me boicotada em minhas tentativas de garantir meu serviço social, em realizar um trabalho para o público e não para o privado, de forma ética e responsável. Foi grande minha decepção, não só naquele momento, mas em várias outras ocasiões durante minha trajetória na empresa, ao perceber, nas chefias e nos funcionários, o descompromisso para com o trabalho público. Decepção e ressentimento, também, por ver-me, algumas vezes, sendo impelida à conivência para com tal atitude.

Estes também vêm sendo sentimentos com os quais convivo diariamente em minha rotina, depois de rápida estada na Presidência da República e transferência não comunicada e previamente não consentida para a EBC Serviços. Resignei-me à mudança, apesar de desaprovar o arranjo burocrático (existente após a extinção da Radiobrás) que me retirava de minha escolha pelo público. Pessoalmente, defendo que a disposição política que  repartiu uma empresa – pública em sua essência- em dois eixos opostos impeça a transparência de nossas ações e metas. Foi com desconfiança e desapontamento que vi um aumento vertiginoso das verbas para a nova EBC, ademais da criação de novos e numerosos cargos de gerência e coordenação, cujos salários segregavam ainda mais os funcionários e colocavam em risco a autonomia de nossa missão.

Toda essa insatisfação vem sendo dolorosamente incubada por longo tempo e a frustração é cada vez maior, especialmente, quando ela afeta a dedicação ao trabalho. Minha saída é reflexo do que me foi negado pela empresa e do que eu tive de negar por ela.

Porém, ainda acredito no potencial serviço público que a EBC pode empreender, não obstante as ingerências que a assolam. Cabe aos funcionários ter uma visão mais ativa que garanta a continuidade do bom trabalho independente da política. A eles, só resta a esperança de melhora no futuro. Quem sabe em uma próxima gestão?


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