Finalmente, no final do ano passado, a mídía prestou-se ao serviço de divulgar a prática de atividades ilícitas do governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda. Em operação da Polícia Federal, o governador e sua trupe foram pegos no pulo.
Comemorei, pois não é de hoje, nem da época da Operação Caixa de Pandora, que ouço a respeito da corrupção no Governo Arruda. Lembrando que o político é cria de Joaquim Roriz (suspeito de ter ajudado nas denúncias contra seu concorrente nas próximas eleições) e reincidente em casos de ilegalidades, como no episódio da violação do painel do Senado, junto com o falecido ACM. Bem… “diga-me com quem andas”…
Na época das denúncias, cheguei a comentar por aqui minha indignação frente à lentidão em se divulgar as ingerências do GDF.
No entanto, resolvi tentar discutir as consequências de tal ato sob uma outra ótica. Fiz uma reportagem publicada na 365 edição do jornal Brasil de Fato. E, na semana passada, veiculada na página do jornal na internet. Olha que feliz!!!
Só estou publicando o texto na íntegra aqui, em vez de incentivar a leitura no portal do Brasil de Fato, porque queria divulgar as fotos que fiz na comunidade junto com o texto (caso contrário usaria o flickr. O que pretendo fazer no futuro) :p
Segue a matéria:
Todos os dias Ana Paula Duarte sai de casa para buscar o pão e o leite das crianças. Dona-de-casa, casada e mãe de dois filhos – eram três, mas o caçula morreu há um mês –, ela comemora o leite e o pão distribuídos gratuitamente pelo governo local às famílias carentes. “Significa muita coisa. Para mim é uma alegria, porque tinha dia que eu não tinha nem dinheiro para comprar o pão dos meus filhos”.
Há três anos, Ana Paula mudou-se do Paranoá para Itapoã, uma das comunidades mais pobres do Distrito Federal. Ela poderia ter ganhado mais do que um simples pão neste fim de ano caso as alegações do governador do DF, José Roberto Arruda (ex-DEM, agora sem partido), fossem reais. No final de novembro, a Polícia Federal desencadeou a operação Caixa de Pandora, que desmontou um esquema de corrupção e pagamento de propina a políticos da base aliada. Algumas das ações foram filmadas. Em um dos vídeos, Arruda foi flagrado recebendo R$ 50 mil. O dinheiro, segundo ele, seria destinado à compra de panetones para populações carentes do DF.
Se pudesse desejar algo para este natal, Ana Paula escolheria “felicidade e segurança”. “De panetone eu realmente não precisaria, não. Precisaria do pão e do leite se fosse o caso de ele [Arruda] tirar. A gente precisa muito desse pão e leite. Mas, panetone, sinceramente, não precisaria, não”, diz.
Para ela, o maior problema da cidade é a insegurança: “Se a gente quiser saúde ou segurança, tem que ir para o Paranoá”. “Agora mesmo acabou de matar um ali. Em plena luz do dia!”, contou.
Em Itapoã são realizados projetos e ações dentro do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), do Ministério da Justiça. As parcerias com sociedade civil e o Governo do Distrito Federal têm o intuito de prevenir a violência e a criminalidade, especialmente entre jovens de 15 a 24 anos.
Assim como Ana Paula, a comerciante Regina Arruda também acredita que o principal problema do local seja a violência. O assassinato comentado por Ana Paula ocorreu em frente ao estabelecimento de Regina. De acordo com os moradores e com a Polícia, um rapaz de 23 anos, conhecido por Pará, foi morto no local. Ele era genro e ajudante de um dos maiores traficantes de Itapoã, Edson Ferreira de Mesquita, o Peixe, que também foi baleado na ocasião.
Regina conta que, quando escutou o tiroteio, fechou as portas do bar e correu para os fundos da casa, “porque é muito arriscado, né?! Meu único jeito é fechar”.
O ataque aos traficantes ocorreu no dia em que Itapoã comemorava um ano de lançamento do projeto Território de Paz, vinculado ao Pronasci. A parceria entre governo federal e GDF previa 28 ações de prevenção à violência, como instalação de câmeras de segurança, telecentros de inclusão digital e policiamento comunitário. Segundo informações do GDF, foram investidos cerca de R$ 43 milhões.
Neste fim de ano, Regina diz querer paz. Se tivesse de pedir algo às autoridades, de acordo com a comerciante, panetone não entraria na lista: “Graças a Deus eu trabalho e compro”. “Mais segurança, gente! A gente não precisa de pão, não”.
Relatividade e humanização
Apesar das necessidades serem parecidas, os desejos das comunidades são relativos. Essa é a opinião de Max Maciel, coordenador da Central Única das Favelas (Cufa) do DF. “Se a gente visitasse hoje uma comunidade que não tem asfalto, que sofre com a poeira e a lama, a primeira prioridade deles seria o asfalto, por mais que o problema identificado fosse o lixo, porque a cidade é suja. Mas eles iam querer o asfalto, porque a poeira atrapalha mais que o lixo. Primeiro você vai ter de dar o asfalto para depois discutir o lixo”.
Ele ressalta a importância de se trabalhar a humanização desses locais. “Não adianta só colocar asfalto, luz, isso é urbanização. Mas não garante a humanização dessas pessoas. Então a gente tem pessoas da cidade de Ceilândia que não se reconhecem moradores de Ceilândia, não querem morar na Ceilândia. Você tem moradores da cidade Estrutural que colocam no seu currículo outras cidades para não dizer que moram na Estrutural, com medo do preconceito. E isso é uma violência maior”, diz.
Na visão do coordenador da Cufa-DF, o ideal seria que essas cidades já surgissem como o novo bairro de classe alta de Brasília, o Noroeste: “com ciclovias, parque ecológico… por que não? Samambaia, que tem 18 anos, tem ruas sem asfalto há 18 anos. E nós temos bairros novos crescendo com toda a infraestrutura”.
Em meio à polêmica de construir uma área residencial em reserva ambiental e indígena, o GDF conseguiu destravar os processos e, somente neste ano, a Companhia Imobiliária de Brasília (Terracap) realizou quatro licitações de terrenos do Noroeste. Ao todo, as vendas deste ano já acumulam mais de R$ 1 bilhão. O vice-governador do DF, Paulo Octavio, também envolvido nos escândalos, é o dono da maior imobiliária da capital.
Dicotomia
Cerca de 20 quilômetros separam Itapoã do Plano Piloto. Para se sair de um lado ao outro há dois caminhos, ambos passando pelas regiões nobres do DF: o Lago Norte e o Lago Sul.
Há uns 5 minutos de Itapoã, o setor de Mansões do Lago Norte e o Lago Paranoá acompanham a estrada. Já para aqueles que optam pela via do Lago Sul, é obrigatória a passagem pela Ponte JK, um empreendimento milionário, herança da era Joaquim Roriz, que governou o DF por 16 anos [de 1988 a 1990, de 1991 a 1995 e de 1999 a 2006) e marcou a região com seus loteamentos irregulares. Segundo a Secretaria de Obras do GDF, foram gastos R$ 182 milhões para construir o monumento.
Itapoã é fruto de invasões. Em 2001, famílias de outros estados e da cidade vizinha Paranoá deram início à ocupação das terras pertencentes à Aeronáutica, que pretendia instalar uma antena de controle aéreo para o DF. Segundo alguns moradores, muitos viam na região a possibilidade de fugir do aluguel que não podiam pagar (e ainda veem, pois a invasão mais recente no local não tem nem um ano). Quatro anos mais tarde, a área passou a ser a Região Administrativa XXVIII – Itapoã.
O Distrito Federal é dividido em regiões administrativas ligadas ao GDF. Algumas não são bem delimitadas. Para o coordenador da Cufa-DF, o fato de as cidades satélites não serem autônomas gera um problema, pois os impostos recolhidos nestas localidades não voltam necessariamente para elas. “Algumas cidades não conseguem se segurar sozinhas, porque nós não temos incentivo para as pessoas criarem uma empresa e gerarem emprego e renda em sua própria comunidade. Tudo o que é arrecadado no DF vai para o montante e não é dividido de forma igual”.

Coordenador da Cufa-Df, Max Maciel, explica a situação da população de baixa renda de Brasília
Max Maciel define como “apartação social” a situação no Distrito Federal e reclama da “dicotomia” em que vive a população: “O meu ônibus é diferente do ônibus daqui [plano piloto], o tratamento no meu posto de saúde é diferente do tratamento no posto de saúde daqui, a educação e as escolas públicas das nossas cidades são diferentes das escolas públicas daqui. Por quê? Porque não foi planejada no Entorno, não foi incorporada e até hoje não se sente incorporada. Nós somos iguais! É uma dicotomia”.
Hoje, Itapoã tem mais de 100 mil habitantes que vivem com uma renda familiar média de R$ 403.
Dados da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan) mostram que metade da população não completou o primeiro grau e 18,7% das crianças menores de 7 anos estão fora das escolas.
A cidade não possui escola de nível médio. Para cursar o 2º grau, os alunos devem buscar as instituições do Paranoá e de outras regiões do DF. Em Itapoã, são duas escolas de ensino fundamental, sendo que a mais nova foi aberta há dois meses. Também só recentemente os estudantes receberam transporte escolar gratuito. A comunidade é a segunda no ranking de pior escolaridade, só perdendo para o Varjão (Região Administrativa XXIII).
Itapoã não tem delegacia, mas dois postos policiais; nem hospital, mas um posto e um centro de saúde.
Apesar de ser uma das áreas mais carentes do DF, seus moradores se mostram satisfeitos com a cidade. A dona-de-casa Ana Paula Duarte diz gostar muito do lugar onde vive. “Aqui é muito bom para mim, tirando a violência. Mas acho que todo lugar tem isso, né?!”, justifica.
Para a comerciante Regina Arruda, a insegurança não é motivo para buscar outro local. “A gente fica com medo, mas tem que sobreviver, né?! A única coisa que eu tenho é esse lote. Não dá para mudar daqui, porque hoje em dia a violência está em todo canto”, argumenta.
Ação eleitoreira
Pelos muros de Itapoã é possível encontrar mensagens de agradecimento ao governador Arruda e ao deputado distrital, Leonardo Prudente, presidente da Câmara Legislativa do DF e uma das “estrelas” do chamado Mensalão do DEM. As imagens veiculadas na mídia mostraram cenas pitorescas, como aquelas em que Prudente aparece escondendo dinheiro nas meias e, em outra filmagem, orando pela propina recebida.

Alguns moradores, que não quiseram se identificar, contaram que, antes do escândalo envolvendo o GDF, a figura do deputado era bastante difundida na comunidade. Segundo contam, até os carros oficiais vinham com a fotografia do presidente da Câmara Distrital estampada na lataria.
De acordo com a Codeplan, 38,7% dos habitantes de Itapoã vivem com até um salário mínimo, valor 100 vezes inferior ao recebido por Arruda em apenas um dos flagrantes. “Não sei se algum dos senhores dessas comunidades conseguiria se imaginar com R$ 50 mil. Para eles seria como ganhar na loteria”, diz Max Maciel.
O coordenador da CUFA-DF defendeu a emancipação das cidades carentes como forma de se combater a pobreza e condenou ações de “barganha” que, segundo ele, não garantem uma melhora na vida dessas populações. O coordenador disse, ainda, que a desculpa da distribuição de panetones nessas comunidades poderia se caracterizar como uma ação eleitoreira, mas não como uma ação social eficaz:
“Nenhum panetone mudaria o Natal de uma criança. O que mudaria o Natal de uma sociedade seria ela mesma poder comprar um panetone no final do mês. A elite criou as leis para se manter no poder, vai barganhar por panetone, por cesta básica. E não é isso que a gente quer. Panetone e cesta básica não é pra gente. Isso a gente quer ter o direito de comprar”.
O administrador regional de Itapoã, Marco Aurélio Demes, foi procurado pela reportagem e se recusou a dar entrevista.
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Assistencialismo: Ana Paula busca o pão e o leite de cada dia
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Assistencialismo: Ana Paula busca o pão e o leite de cada dia
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Violência em Itapoã: segundo moradores, dois traficantes foram baleados no local.Tratamento: Weverson Paulino (http://www.namuchila.com/)
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Violência em Itapoã: segundo moradores, dois traficantes foram baleados no local. Tratamento: Weverson Paulino (http://www.namuchila.com/)
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Assistencialismo: Ana Paula busca o pão e o leite de cada dia
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Ação eleitoreira: administração de Itapoã elogia GDF
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Violência em Itapoã: segundo moradores, dois traficantes foram baleados no local
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Coordenador da Cufa-Df, Max Maciel, explica a situação da população de baixa renda de Brasília